Exumação de Jango divide opiniões e vira assunto em São Borja
'Morreu de desgosto', diz amigo de ex-presidente que o visitou no exílio.
Peritos iniciam trabalho de retirada de restos mortais na manhã de quarta.
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Prefeitura de São Borja leva o nome de João Goulart (Foto: Márcio Luiz/G1)
O município de São Borja,
na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, vive dias de expectativa com a
proximidade da exumação dos restos mortais do ex-presidente João
Goulart. A movimentação em torno do jazigo onde está sepultado um dos
filhos ilustres da cidade de 61 mil habitantes atrai a atenção de
curiosos, é assunto de conversas nas ruas e ainda gera algumas
controvérsias. A operação está marcada para a manhã desta quarta-feira
(13).A partir das 7h, peritos da Polícia Federal e internacionais, integrantes da Comissão Nacional da Verdade (CNV), da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, autoridades e familiares de Jango irão ao cemitério Jardim da Paz acompanhar o recolhimento dos restos mortais do ex-presidente.
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A exumação tem como objetivo esclarecer as suspeitas que pairam sobre a
morte do presidente deposto no golpe militar de 1964: Jango morreu de
causas naturais, vítima de um ataque cardíaco, como atestam os
documentos oficiais, ou foi assassinado por agentes da repressão em uma
ação da Operação Condor?Entre os moradores mais antigos do município que foram contemporâneos de Jango, as opiniões se dividem. O ex-vereador e advogado Iberê Teixeira, que foi designado presidente da comissão municipal formada para acompanhar o processo de exumação, não acredita na tese de assassinato por envenenamento.
"Se a ditatura quisesse Jango morto, era muito mais fácil deixá-lo entrar no Brasil. Tenho convicção de que ele não foi morto, pois o único depoimento nesse sentido foi dado por um presidiário", diz Iberê, referindo-se a entrevistas concedidas pelo ex-agente da repressão uruguaia Mário Neira Barreiro, afirmando que ele havia participado da trama para matar Jango, enquanto cumpria pena em um presídio de Charqueadas.
Iberê conta que foi visitar Jango na estância onde o ex-presidente estava exilado em Mercedes, na Argentina, em junho de 1976, seis meses antes da morte do ex-presidente. Prestes a publicar um livro em que defende a tese de que Jango foi, sim, vítima da ditatura, mas por outros meios, ele acredita que o político morreu de desgosto.
Para Iberê, Jango foi vítima da ditadura, mas
morreu de 'desgosto' (Foto: Márcio Luiz/G1)
"O Jango dizia que o exílio era invenção do demônio. Ele morreu de
desgosto, de sofrimento no exílio. Morreu como um potro, rodeando a
querência. Ele estava perto de São Borja, mas era impedido de voltar",
avalia.morreu de 'desgosto' (Foto: Márcio Luiz/G1)
Já para o aposentado Elmar Oliveira Pereira, de 66 anos, a hipótese de envenenamento faz todo o sentido. Ele cita outras mortes suspeitas ocorridas no mesmo período, como a do ex-presidente, de Juscelino Kubitschek, e do ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda, para sustentar a hipótese.
"O próprio Tancredo Neves falou em uma entrevista que ele poderia ser a próxima vítima. Então, acredito, sim, que o Jango possa ter sido envenenado. Sou a favor da exumação para que a causa da morte do presidente seja esclarecida, mas sem que isso vire um palanque político", observa o aposentado, que passava pelo cemitério nesta terça. Segundo aposentado, sua família conhecia a de Jango.
Mesmo os mais jovens acompanham com atenção o processo de exumação do fazendeiro rico que propôs a reforma agrária. O estudante Renan Guerra, de 20 anos, diz que a figura de Jango vem sendo tema de conversas na escola e por outros ambientes da cidade.
Elmar passou pelo cemitério para conferir a
movimentação nesta terça (Foto: Márcio Luiz/G1)
"Eu não sei se ele foi vítima ou não da ditadura, mas é importante
discutir essas coisas. Outros países da América Latina já discutem e
investigam os crimes da ditadura há muitos anos, mas o Brasil não. É
importante para os jovens da minha geração conhecerem a história do
país", diz ele.movimentação nesta terça (Foto: Márcio Luiz/G1)
A principal polêmica na cidade, no entanto, gira em torno do destino dos despojos de Jango após a exumação. Alguns moradores temem que a ossada, depois de levada para análise em Brasília, jamais retorne para São Borja, onde é considerada um patrimônio histórico, político e sentimental do município.
Como coordenador da comissão municipal, Iberê Teixeira garante que essa polêmica já é superada, pois recebeu da ministra Maria do Rosário garantias de que os restos mortais de Jango serão devolvidos ao túmulo da família. O prefeito da cidade, Farelo Almeida (PDT), diz o mesmo, mas reconhece que há desconfiança entre a população.
"É algo novo, que resgata a história, mexe com o passado da nossa cidade, da população. O pessoal de São Borja é meio desconfiado, está esperando para ver o que vai acontecer. Mas esperamos que o corpo retorne para São Borja, conforme combinado com a ministra", diz o prefeito.
Segundo a Comissão Nacional da Verdade, após análise no Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal em Brasília, os restos mortais de Jango retornarão para São Borja no dia 6 de dezembro, data do aniversário da morte do ex-presidente. Já o resultado da análise da causa da morte não tem data para ser divulgado.
Cemitério e jazigo foram isolados e têm segurança reforçada
Jazigo da família foi coberto por lonas e isolado na manhã desta terça-feira (Foto: Márcio Luiz/G1)
O cemitério da cidade amanheceu isolado e com segurança reforçada.
Peritos chegaram ao local às 10h para preparar a operação. O jazigo da
família foi coberto por lonas e cercado por uma estrutura metálica para o
trabalho dos peritos. Para a retirada dos restos mortais, na manhã de
quarta-feira, haverá três tipos de acesso: um para os peritos, que
ficarão em cima do túmulo. O segundo será para os familiares, que
poderão acompanhar todo o processo. Autoridades também poderão observar a
operação. A imprensa não foi liberada para entrar no cemitério."Estamos aqui depois de longos seis meses de trabalho. Ele não se iniciou hoje, mas também não acaba amanhã. Vai demorar um certo tempo porque serão feitas análises em laboratórios e também no exterior", explicou ao G1 Amaury de Souza Júnior, chefe dos peritos que está coordenando a exumação. O perito explica que não há prazo para a conclusão da análise e ressalta que o resultado pode ser inconclusivo.
Detalhe da lápide do túmulo de João Goulart
(Foto: Prefeitura de São Borja/Divulgação)
Os restos mortais sairão do cemitério em um caminhão do Corpo de
Bombeiros até o Aeródromo de São Borja. De lá, os restos mortais seguem
em um helicóptero da FAB até a Base Aérea de Santa Maria. Em seguida, o
material vai para Brasília, onde é esperado até as 10h de quinta-feira.
De acordo com a assessoria da assessoria da presidência, o corpo de
Jango será recebido com honras de chefe de Estado. Os ex-presidentes
Lula e Fernando Henrique Cardoso estão entre os convidados para a
solenidade.(Foto: Prefeitura de São Borja/Divulgação)
A força-tarefa para o procedimento de exumação envolve a SDH/PR, por meio da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul (MPF-RS), o Departamento da Polícia Federal (DPF), além de contar com a supervisão do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e peritos internacionais da Argentina e Uruguai, sendo que há possibilidade de técnicos cubanos se integrarem aos trabalhos.
A Comissão Nacional da Verdade e o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul decidiram exumar o corpo do ex-presidente João Goulart em maio deste ano, a pedido da família, que acredita que ele possa ter sido envenenado. Morto no exílio na Argentina em 1976, o laudo oficial afirma que ele sofreu um ataque cardíaco. Entretanto, há suspeitas de que ele tenha sido envenenado por uma cápsula colocada no frasco de medicamentos que tomava para combater problemas no coração. Para a família de Jango, ele teria sido assassinato em uma ação da Operação Condor, aliança entre as ditaduras militares da América do Sul nos anos 1970 para perseguir opositores dos regimes.
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