A família de Jackson Rafael Ferreira Bottim, de Caxias do Sul, na Serra do Rio Grande do Sul, pretende dar um presente especial para o garoto que completa oito anos no sábado (15). Não se trata, porém, de uma bicicleta ou de um videogame, mas de um aparelho mais complicado: um marca-passo diafragmático. A família briga na Justiça para conseguir o implante, que daria qualidade de vida ao menino.
Jackson ficou tetraplégico em 2010, após ser atropelado por um carro em Garibaldi, município próximo a Caxias do Sul. Desde então, vive “preso” em casa. O acidente afetou a função respiratória do menino, que depende de um ventilador mecânico e um cilindro de oxigênio para respirar.
Como o aparelho é alimentado por energia elétrica, o garoto não pode ir para a rua, não pode frequentar a escola e não pode ter vida além das paredes da casa da família. Além disso, também precisa torcer para que não falte luz por mais de cinco horas – o tempo de duração da bateria do respirador – no bairro Cristo Redentor, onde mora.
Para sobreviver, Jackson respira por um tubo enfiado no pescoço, por onde entra o ar. Ao mesmo tempo em que mantém o garoto vivo, a cavidade aberta por uma traqueostomia provoca complicações de saúde do menino. Segundo a família, Jackson vive tendo pneumonias.
Para melhorar a qualidade de vida, ele necessitaria de um marca-passo diafragmático. O aparelho consiste em eletrodos e receptores implantados cirurgicamente, associados a um transmissor que envia sinais de rádio através de antenas colocadas sobre os receptores. Sem fios, sem traqueostomia, permitiria que Jackson tivesse uma vida mais normal. Porém, o custo do aparelho, de R$ 388 mil, é inviável para a família que vive com menos de dois salários mínimos.
A mãe de Jackson, Simone Ferreira, 34, diz que tentou conseguir a cirurgia e a compra do aparelho junto a secretarias da saúde. Segundo ela, a Secretaria Municipal da Saúde de Caxias do Sul reconheceu a necessidade do aparelho, mas disse não ter condições de custear as despesas. Na Secretaria Estadual, ela diz que nem sequer obteve resposta.
“Estado e município ficam empurrando um para o outro. O município diz que não teria como arcar, e o estado diz que o dever seria do município. A minha maior angústia é o risco de morte do meu filho”, conta Simone.
Tempo de espera pode chegar a seis meses
Sem resolução dos órgãos de saúde, a família procurou a Justiça para tentar conseguir a cirurgia de Jackson. Um escritório de advocacia de Belo Horizonte, experiente em casos semelhantes, foi contratado. O pedido foi feito no dia 27 de novembro. O juiz intimou as secretarias, em caráter de urgência, para que se manifestem sobre a situação.
“Após 10 dias (21 de dezembro), ele (juiz) define se vai ou não dar a liminar. A partir do momento que der a liminar, o prazo para cumprimento é imediato. É um equipamento fabricado nos Estados Unidos, mas uma empresa no Brasil tem a exclusividade na venda. Mas temos o temor de o poder público ignorar a decisão judicial, o que é muito comum”, explica o advogado Frederico Damato.
A equipe de Damato foi procurada justamente por já ter atuado com sucesso em casos semelhantes. Em 2012, eles conseguiram na Justiça a cirurgia para uma criança de São Paulo e outra de Brasília. Porém, o tempo de espera desde o ingresso na Justiça até a cirurgia chega a seis meses.
“Todos os governos protelam muito, alguns inventam mentira, não é nem defesa, dizendo que o marca-passo não tem registro na Anvisa, não cumprem decisão. Em Brasilia, tivemos um caso que passou 90 dias da liminar e não cumpriram. Em média, cada caso levou uns seis meses para a resolução”.
Garoto ganharia qualidade de vida com aparelho
Após a cirurgia, o marca-passo leva 15 dias para ser ligado. É o tempo que o corpo demora para completar a cicatrização, de acordo com as informações repassadas por médicos à família de Jackson. O aparelho é ligado aos poucos. No início, funciona por uma hora, depois vai aumentando o tempo até que o paciente vá se acostumando.
“Esse marca-passo daria um pouco mais de qualidade de vida ao Jackson. Poderia ir para a escola, ir a um parquinho, a festas de aniversário, ficaria um pouco mais livre. Hoje a rotina dele é cadeira de rodas e cama”, diz Simone.
“No início, o paciente ainda precisa seguir usando a ventilação mecânica. Aos poucos vai sendo substituído pelo marca-passo. Temos um paciente de São Paulo que já utiliza o marca-passo por 22 horas e 30 minutos diariamente”, acrescenta o advogado.
Por conta da impossibilidade de sair de casa, Jackson está atrasado nos estudos. Uma professora dá aulas ao menino na casa da família apenas uma vez por semana. Atualmente, ele cursa o 2º ano do Ensino Fundamental. “Ele está matriculado, a professora vem em casa, mas fica prejudicado em relação as turmas. Meu medo é que ele fique semianalfabeto. O cognitivo dele é perfeito, o que impede de sair de casa é o respirador”, diz a mãe.
A volta ao convívio diário com colegas e amigos é um dos fatores que a médica de Jackson, Tatiana Moratelli, destaca entre os mais importantes no tratamento. Segundo ela, quando colegas de escola fizeram uma visita à casa da família, a alegria do menino foi imensa. "Ele era uma criança que ficava revoltada com a situação. A parte social dele também foi afetada. Hoje ele já entende melhor e quer receber essa liberdade", salienta.
O que dizem as secretarias da saúde
Por meio de nota, a Secretaria Municipal da Saúde de Caxias do Sul informou que não consta nenhuma pendência de procedimentos, consultas e exames em nome de Jackson no Sistema da Secretaria da Saúde (SISSAP). Entre setembro e outubro de 2012, o paciente recebeu cadeira de rodas e implantes de órteses do munícipio, informa o órgão.
Segundo a secretaria, por se tratar de uma tecnologia nova, “não reconhecida pelo Ministério da Saúde, o implante do marca-passo diafragmático não está previsto na tabela (SIGTAP) de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS)”. O texto ressalta que, no Brasil, a colocação do marca-passo é realizada por apenas um médico de São Paulo e que “o equipamento é produzido por uma empresa americana, tendo como valor total de R$ 388 mil. Além disso, o custo da equipe médica é de R$ 140 mil”.
Também por nota, a Secretaria Estadual diz que, até o momento “o município de Caxias do Sul ainda não cadastrou junto ao Estado o pedido de atendimento especializado para o usuário citado”. Seria obrigação do município fazer esse cadastro caso não tenha condições de realizar o procedimento na própria cidade e precise de encaminhamento para Porto Alegre, diz o texto.
A secretaria Estadual da Saúde informa que a marcação de consultas especializadas em Porto Alegre para pacientes do Interior é, desde novembro de 2011, regulada pelo Estado por meio de um sistema informatizado. O município que solicita a consulta faz um cadastro no sistema, e a Central Estadual de Regulação Ambulatorial cruza os dados com a oferta de Porto Alegre para a especialidade necessária. Conforme a disponibilidade, a central marca a consulta e informa a data e o local para o município solicitante, que tem a responsabilidade de informar ao paciente.
Caso a consulta resulte em um encaminhamento para cirurgia ou outro procedimento, esse trâmite se dá dentro do próprio hospital em que a consulta foi realizada, diz a secretaria. Quando o paciente cadastrado é colocado como sem prioridade (sem urgência) a definição de quem será encaminhado é do município dentro da cota que ele possui. “Quando o paciente é prioritário (casos de urgência) ele é direcionado para a cota que o Estado tem específica para esses casos que necessitam de um encaminhamento mais rápido”, ressalta o texto.